domingo, 25 de março de 2007

INTERDISCIPLINARIDADE II

O gato que anda sozinho
[George Gusdorf]
parte II



—Interdisciplinaridade—





(...) Daí o projecto de uma metafísica sem absoluto, que seria, antes, uma meta-humanidade. É assim que a interdisciplinaridade me aparece como o método filosófico por excelência: não um devaneio anexo à margem da investigação principal, como acontece com certos especialistas, que tomam consciência das lacunas e insuficiências da sua especialização tarde de mais, mas antes o grande eixo de um pensamento empenhado em reagrupar todos os testemunhos do homem dispersos pela diversidade dos espaços-tempos culturais. Alguns dos mais considerados profetas da nossa época proclamaram a morte do homem (...). Com efeito, tudo se passa como se a imagem do homem se tivesse estilhaçado (...), tal como o atestam os quadros proféticos de Picasso e dos seus imitadores. Verifica-se a mesma situação no saber contemporâneo, cujos imensos progressos se fazem acompanhar de um estilhaçamento em inumeráveis especialidades nas quais se perde o sentido da unidade humana. O especialista, dizia Chesterton, é aquele que sabe cada vez mais sobre um domínio cada vez mais restrito, de modo que a sua realização perfeita é saber tudo sobre nada. (...) Os efeitos perversos da divisão do trabalho científico apelam ao compensador aparecimento de uma nova espécie de especialistas da não-especialidade, preocupados com a manutenção, e apesar de todas as solicitações adversas, do sentido da integridade humana. (...) Num sentido elementar, o compromisso da interdisciplinaridade consistiria numa tentativa de esclarecer o que significa falar. Cada época da cultura caracteriza-se por uma certa unidade de sentido (...). A filosofia, inquérito do homem sobre o homem, limita-se frequentemente a evocar um homem eterno, ou antes, intemporal, isto é, o contemporâneo do pensador ou o próprio pensador. O homem real não existe senão nos limites de um espaço-tempo determinado, que lhe impõe caracteres distintivos. (...) E este homem exposto ao tempo nunca está imóvel. Está em constante mutação, entre a pressão do antigo e a fascinação pelo novo.

in "Interdisciplinaridade. Antologia", co-org. Olga Pombo, Henrique Guimarães e Teresa Levy, Campo das Letras, Porto, 2006.