REALPOLITIK
UMA CORPORAÇÃO PÓS-HUMANA AO SERVIÇO DO AVANÇO
DA BIOQUÍMICA MEDICINAL, DO TRANSPORTE AEROESPACIAL,
DO ENTRETENIMENTO META-TRÓPICO E DA ENGENHARIA MEGALOFÍSICA.
PARTE
1 — EMBARQUE
“Cinema is the ultimate pervert art. It doesn’t give you what you desire — it tells you how to desire.” [Slavoj Žižek]
Bem-vindo! Obrigado por ter escolhido a Realpolitik Inc.
para o seu embarque no Novo Mundo. Antes de iniciarmos o Oscilador Harmónico,
pedíamos que confirmasse que não tem em seu poder quaisquer objetos do Velho
Mundo; eles serão completamente inúteis à construção do regime pós-humano. Todo
e qualquer objeto deverá ser colocado no desfibrilhador quântico para ser
automaticamente desintegrado. Tome algum tempo para consultar o Libreto de
Embarque; vai reparar que ele está recheado de informações preciosas que o
ajudarão a melhor compreender as ações pós-dramáticas da nossa tripulação;
assim, em caso de dúvida, saberá o que pensar. O seu código genético está
escrito nas costas da cadeira para, em caso de turbulência quântica, conseguir
voltar a encontrar o seu lugar. Faz parte da política de segurança da
Realpolitik, Inc. que os pré-cyborgs permaneçam conectados à nossa malha quântica durante
toda a viagem purgatória. No caso de uma descompressão de emergência, retire
cuidadosamente os elétrodos sofismais do seu corpo. No caso de uma perturbação
amniótica disruptiva, as costas da sua cadeira poderão deslocar-se para trás,
transformando-se em divã. Basta pressionar o botão F, e um holograma de Sigmund
Freud estará pronto para o ajudar a recomprimir. Se o seu regime psikê for lacaniano, basta pressionar o
botão vermelho, ou então, simplesmente, esfregar a lamparina cósmica para
libertar o Génio. Durante os blackouts, coloque as mãos sobre a zona
occipital da sua cabeça para libertar a endorfina somática, de maneira a
fazê-lo sonhar com espetáculos do Velho Mundo. Se sentir que duas ações
pós-dramáticas se sobrepõem, uma ubiquidade de fibra ótica cairá imediatamente
à frente dos seus olhos, de maneira a fazê-lo ver as duas ações ao mesmo tempo.
Se reparar que o espécime humano ao seu lado não possui um mestrado em Cultura
Contemporânea, faça questão de o ajudar a compreender a incoerência
pós-dramática de uma ação antes de visualizar a seguinte. Em matéria de pontos
de fuga às ações principais, irá notar que nos interstícios aeroespaciais que
intermedeiam os lugares existem inúmeras saídas de emergência para o Real
ficcionado. Olhe à sua volta: uma câmara de videovigilância pode estar mesmo
atrás de si! A Realpolitik Inc. só permite drogas nootrópicas a bordo. A
ingestão de toda e qualquer substância alienante produzida no Velho Mundo é
estritamente proibida dentro da Arca. Queira também aceitar a nossa
prorrogativa que impede todo e qualquer tipo de comportamento nostálgico e/ou
saudosista em relação ao Velho Mundo, para não interferir com a nossa missão
colonizadora. Agora que já está inteirado da Deontologia Realpolítika, sente-se
confortavelmente, relaxe, e seja um agente passivo! Em nome da Realpolitik Inc., desejamos-lhe uma agradável transição.
PARTE
2 — ONTOTECNOLOGIA
Em Ciência, significa diplomacia não ideológica, política
coerciva, filosofia maquiavélica, sobrevivência a-moral. Em Teatro, significa demagogia
triplamente realista, ou seja, re-re-re-realismo, também conhecido por Realismo Gago: nem diz ‘sim’, nem diz ‘não’, mas também não diz ‘talvez’. Reticente...
Por uma questão de sobrevivência, Realpolitik encosta-se perigosamente a dois
dos conceitos mais non grati da contemporaneidade:
a VERDADE como ato revolucionário (que roubámos a Orwell) e a GENERALIZAÇÃO
como atividade primeira do pensamento (que roubámos a Hegel). Em modo cartoon: “The art of bowing to East
without mooning to West” (que roubámos à Pátria Finlandesa).
SÍNTESE:
Realpolitik não está na realidade. É realidade. Ao mesmo tempo paralela e
perpendicular à que já conhecemos. Ou seja, Realpolitik é um sistema
“triangulado”, ideologicamente “acima” e “entre” a clássica posição binária.
Não tem nada a ver com a construção de uma filosofia “centrista”, mas antes com
uma atitude analítica que reconcilia a dualidade, sem no entanto propor um
compromisso. Ou seja, Realpolitik é realidade, mas é “realidade terceira”:
perversa, finlandizada, anti-social, anti-neo-liberal e anti-anti-Kapital. Contemplatio
mortis apocalyptica.
PARTE
3 — HERMENÊUTICA (BÍBLICA)
TESE: Uma das traves
mestras mais importantes da filosofia Realpolitik tem o seguinte nome:
“simultaneologia”. Ou seja, a ideologia do que acontece agora, já, em tempo
real, e ao mesmo tempo. Também pode significar tudo aquilo que acontece durante,
entretanto e enquanto. Não confundir, porém, “simultaneologia” com “simultaneidade”.
Estamos a falar de ética, não de estética. E a ética “realpolítica” diz que tudo
o que não está a acontecer agora, não existe. Cum hoc ergo propter hoc.
ANTÍTESE: Realpolitik é uma corporação. Pós-humana e imaterial. Uma nuvem. Nela se condensa tudo aquilo que já aconteceu e tudo aquilo que vai acontecer. Porque é desprovida dos erros associados ao destino biológico, a Realpolitik apresenta-se enquanto entidade cyborguiana em permanente curto-circuito lógico: revê infinitamente e friamente as milhares de hipóteses de futuros e de passados possíveis. Post hoc ergo propter hoc.
PARTE
4 — GÉNESIS
Um espetáculo de teatro, ou seja, um vídeo-jogo, uma
série de Ficção (científica) com 7 temporadas de 32 episódios cada, um filme de
Hollywood sobre o Apocalipse, uma aplicação para o iPhone sobre a política
(Real) da sobre-vivência. Um serviço ao serviço dos poderosos: só se salva quem
pode. Uma corporação pós-humana para a mutação da teoria das cordas em teoria
dos sopros. Como se o Fim do Mundo “as we (don’t) know it” implicasse um novo
Adão e uma nova Eva, em estado gasoso, em molecular, em design. DAsein.
Realpolitik é também um medicamento transgenérico e psicotrópico, a tomar antes
do Embarque, contra enjoos quânticos e outras confusões comuns entre Arte e
desporto. Realpolitik está assim para as indústrias criativas como os nocebos
estão para a farmacologia: só provoca os efeitos secundários (os óculos 27-D
são oferecidos pela produção). Do Outro Lado, seremos todos Anjos. Em
Português, significa ‘erradicação da
espécie’. Em código numérico: ‘2012’.
PARTE
5 — ÊXODO
META-TESE: O Novo Mundo para o qual transitaremos com a ajuda da Realpolitik, Inc.
não é uma utopia, mas também não é uma distopia; por conseguinte, também não
será uma mistura das duas: nem um status quo, nem um state of the
arts, nem uma strings theory aplicada à arte. O Novo Mundo
pós-Apocalipse será “protópico” — exatamente igual ao Velho, apenas com uma
ligeira diferença (infinitesimal) de foco. Cum hoc ergo cum hoc.
PARTE
6 — DESEMBARQUE
Morreram durante a construção da Arca os
seguintes espécimes pré-humanos (a quem a Realpolitik, Inc. agradece):
Rogério Nuno Costa | encenação/texto/espaço cénico.
Roger Madureira | assistência de encenação.
Nilce Vicente Carvalho | no papel de Híbrido NVC-AF ’83 Ctx.
João Ferreira Silva | no papel de Híbrido JFS-WB ’88 Co.
Pedro Fernandes | no papel de Híbrido PF-PB ’84 Pt.
Vanessa Teixeira | no papel de Híbrido VT-OD ’89 VRl.
João Viegas | no papel de Grande Outro.
Patrícia Antunes | no papel de Segunda-Feira, 1.º Observador.
Fábio Martins | no papel de Terça-Feira, 2.º Observador.
Guilherme Pompeu | no papel de Quarta-Feira, 3.º Observador.
Anabela Ribeiro | no papel de Quinta-Feira, 4.º Observador.
Paula Gaitas | no papel de Sexta-Feira, 5.º Observador.
João Nemo | no papel de Sábado, 6.º Observador.
Liliane Guerra | no papel de Domingo, Observador Psíquico.
Rogério Nuno Costa | no papel de Slavoj Žižek.
Paula Gaitas | desenho e operação de luz.
Leandro Silva | vídeo promocional.
Roger & Roger Inc. | grafismo, art work & vídeo-jogos.
Cátia Manso & Liliane Guerra | cabelos/make-up/vestuário).
Anabela Ribeiro/Cátia Manso/Nilce V. Carvalho/Patrícia Antunes | prod. executiva.
CITAC 2012 | produção.
Financiou a Arca e toda a investigação megalophysica:
Fundação Calouste Gulbenkian.
Contribuíram logisticamente para a exterminação da raça:
Câmara Municipal de Coimbra, Persona Non Grata, Máfia, SASUC, Casa da Cultura, TAGV, Estrutura, Grupo de Teatro da Nova, A Escola da Noite, Orfeon Académico de Coimbra, TEUC, TAUC, AAC, RUC, TVAAC.
Honoris causas (catedráticos do empreendimento colonizador):
Cátia Pinheiro, José Nunes, Mariana Tengner Barros, Mickael Oliveira, Nuno Miguel, André Santos, Marta Coelho, David Bernardes, Diana Coelho, Tânia Figueiras Ribeiro, Peter Shuy, Emmanuel Veloso, Pedro Penim, Gil Mac, Isabel Ramos, Helena Teixeira, Leandro Monteiro, Maria Luísa Pinto da Costa, Rui Cardoso, Marcelo Laguna.Mais: